
Eu
me apaixonei por uma mulher linda, veterinária como eu, que tinha sete
vira-latas. À medida que a fui conhecendo melhor pude perceber que ela
tinha predileção por um deles, o Juca. Uma figuraça! Baixinho, gorducho,
tão feio que fica bonito e cheio de problemas de saúde. Ele é a exceção
àquela regra que diz que “os vira-latas são mais resistentes que os
cães de raça, não têm tantas doenças”. Juca teve e tem de tudo. Ainda
bem que temos muitos amigos veterinários competentes e solidários que
nos ajudam a mantê-lo vivo e com qualidade de vida.
Apesar de
todos os esforços, cuidados e medicações, esta semana, Juca teve sua
OITAVA síncope (desmaio) acompanhada de parada cardiorrespiratória. Por
sorte, estava na clínica conosco e pode ser salvo mais uma vez contando
com a valorosa ajuda de nosso motorista, Wellington, que percebeu a
crise e o levou correndo para a sala de emergência, onde uma quase
dezena de veterinários-amigos o salvaram mais uma vez. Dizem que “os
gatos têm sete vidas”. Juca já está na oitava e, pra recordar uma de
suas mais espetaculares “ressuscitações”, conto aqui uma história que me
marcou profundamente.
Quando pedi minha mulher, Carol, em
casamento, em outubro de 2010, eu já tinha a ideia de fazer alguma
surpresa envolvendo o Juca em nosso casamento. Pensava em incluí-lo na
lista de convidados ou coisa parecida. Havia um problema para essa
brincadeira poder ser posta em prática: Juca já enfrentava graves
problemas cardiorrespiratórios nessa época, e tanto eu quanto ela
temíamos que ele não resistisse até o “grande dia”. O tempo foi passando
e, um dia, Carol me perguntou: “Se o Juca estiver vivo depois do
casamento vamos levá-lo pra morar conosco ou deixá-lo com meus pais onde
já está habituado?” Respondi que o levaríamos conosco, claro, mas no
fundo, duvidava que o coraçãozinho dele resistisse até lá.
O
tempo foi passando e Juca, sempre com sua tosse, se mantinha firme entre
episódios de desmaios e crises respiratórias que, não raro, nos levavam
de volta à Animália na madrugada para oxigená-lo. Eram noites difíceis
para mim e terríveis para a Carol. Juca ficava muito mal. Língua
azulada, tosse incessante, engasgos, não dormia e nós também não. O
tempo foi passando, o casamento se aproximando, até que em abril de
2011, dois meses antes da cerimônia, a figura teve um desmaio seguido de
convulsão que nos fez crer que a hora tivesse chegado. Corremos pra
clínica e, uma vez mais, Juca superou tudo. Aquela noite, porém, foi
diferente das anteriores. O quadro ficou muito feio e ele teve de ficar
internado por 72 horas. Nem visitá-lo podíamos, pois se agitava de
felicidade e, consequentemente, tossia tanto que quase desmaiava. Quando
o trouxemos para casa, ainda fraquinho, ouvi a Carol dizer que “queria
tanto que ele vivesse até o nosso casamento”. Que situação! Como
veterinário sabia o quanto aquilo era improvável e fiquei com tanta pena
dela que prometi a mim mesmo que levaria o Juca ao altar! Sabia que
Carol ia adorar. Ele acompanharia a nossa sobrinha, dama de honra, e
traria com ela as alianças. Estava decidido, desde que Juquinha
resistisse até lá. Lembro-me de ter falado para ele: “Jucão, segura a
onda que eu te levo pra festa, valeu?” E não é que ele entendeu?!?
Daquele dia em diante, Juca começou a tossir menos e ficar a cada dia
mais disposto. Outra coisa surpreendente foi que nosso “relacionamento”
também mudou. Ele começou a me acompanhar pela casa toda, só dormia ao
meu lado e até passou a fazer mais festinha pra mim do que pra Carol
quando chegávamos em casa. Comecei a chamá-lo de “meu cachorro” para
implicar com ela.
Uma semana antes do casamento, era chegada a
hora de colocar o plano em prática sem que a noiva percebesse. Pra
começar a roupa do pajem. Fui à Via Canina, pet shop sofisticado de
nossos grandes amigos Aline e Guilherme, para procurar uma roupa
condizente com a ocasião. Levei o Juca escondido para experimentar e
encontramos uma roupa marrom que o deixou parecendo um monge, muito
engraçado. Era aquela! A segunda parte, um belo banho, teria que ser
executada no dia do casamento, e assim foi feito. Aproveitando que Carol
estava entretida com seu dia-de-noiva, liguei para meu futuro sogro,
Fernando, e avisei que ia buscar o Juca pro dia-de-pajem. Como íamos nos
casar na Spazio, casa de festas ao lado da Animália, tudo ficou mais
fácil. Busquei-o de carro e, curiosamente, parecia mais disposto do que
nunca. Tive que dirigir o tempo todo com ele no meu colo olhando pela
janela, acompanhando tudo. Parecia saber que seria um dia especial.
Parei na clínica, pedi que dessem um banho caprichado nele e fui para
casa colocar meu terno. Tudo certo! Plano perfeito! Eu ia
definitivamente conquistar o coração daquela mulher. Não havia chance
dela dizer não depois de uma homenagem dessas! Mal sabia eu que estava
para começar um dos maiores sustos que já levei.
De banho
tomado e vestido para casar, cheguei à clínica 15 minutos antes da
cerimônia para colocar no Juca sua roupa de monge. Fui até a sala de
onde já ouvia seus latidos pois, de alguma forma, ele pressentia minha
chegada. Abri a porta e disse:
”JU-cão, meu camarada, você está lindo! Vamos colocar a roupinha?”
“- Au-Au-Au-Au-Au-Au-Au!!” – respondeu ele, balançando o rabo a ponto de rebolar.
“É, moleque!!! Eu prometi! Você segurou a onda e agora nós vamos comemorar!” – disse eu, já abrindo o canil para pegá-lo.
“Au-Au-Cofff-Au-Au-Cofff” – retrucou a peça tossindo um pouquinho.
“Calma, quietinho, não vai tossir em cima do bolo, heim?” – brinquei
enquanto tentava passar a roupa por seu pescoço no mesmo momento em que
chegava o pajem-humano, meu sobrinho, Nicholas.
“Au-Coffffff-Coffffff-Au-Cofffff-Coffffffff-Cofffff”.
Agora, ainda mais feliz e excitado pela chegada do menino, o Juca mais tossia que latia.
“Peraí, Juquinha... calma, quietinho... assim você vai acabar demaian...”.
Não consegui nem terminar a frase. Após um latido tão fino que mais
parecia um grito, Juca caiu de lado, desmaiado e se urinando. “Meu Deus,
matei o Juca!”, pensei. “Matei o Juca no dia do casamento! Matei o Juca
no dia do casamento porque inventei essa brincadeira! Matei o Juca no
dia do casamento porque inventei essa brincadeira e a noiva não faz a
menor ideia! Matei o Juca no dia do casamento porque inventei essa
brincadeira e a noiva não faz a menor ideia e faltam 10 minutos para o
altar!” Todos estes pensamentos vieram à minha cabeça como uma bola de
neve, um rolo compressor, em uma fração de segundos. Fui acordado do meu
torpor ao ouvir a seguinte frase dita com aquela deliciosa voz de
criança “Tio Renato, ele morreu?”. Era meu sobrinho, coitadinho, que
assistia a tudo ao meu lado. Não dava mais pra pensar, eu tinha que
agir! Agarrei o Juca contra o terno impecável e levei-o para a sala de
emergências enquanto, miraculosamente, chegava também o padrinho Rodrigo
Brum, cardiologista veterinário, que me ajudou a socorrer o Juca.
Lembro-me de tê-lo colocado sobre a mesa completamente desfalecido,
mole, lívido e ainda urinando. A partir deste momento confesso que não
me lembro de nada do que foi feito naquela sala. Deve ter sido a amnésia
pós-traumática de que falam. Só me lembro que após algum tempo, que não
sei precisar quanto mas que me pareceu uma eternidade, aos poucos, Juca
começou a balançar o rabinho, mas ainda com um olhar muito assustado.
Um dia perguntarei ao Dr. Rodrigo o que fizemos ou, muito provavelmente,
o que ele fez sozinho para trazer o Juca de volta. Faltavam 5 minutos
para a cerimônia. Juca estava no melhor local que poderia estar num
momento destes, ou seja, na sala de emergências, recebendo oxigênio e
acompanhado de seu competente cardiologista. Eu tinha que entrar e
deixa-lo ali. Pedi ao cardiopadrinho que ficasse com ele e NÃO fosse
para a cerimônia, e fui!
Na casa de festas, quem via o noivo
pensava que estava nervoso pela proximidade da chegada da noiva. Isso
era bom. Afinal é normal ficar nervoso no seu casamento, certo? Ninguém,
exceto o padrinho ausente, sabia na verdade a razão do meu nervosismo.
Será que o Juca ia mesmo ficar bem? Ia melhorar? Eu devia ou não contar à
noiva? Quando? Nossa! Já na entrada dos convidados alguém se aproximou
de mim e disse baixinho “O Juca tá bem! Fica tranquilo! Rodrigo disse
que, se continuar assim, vai entrar com ele no colo na hora das
alianças”. Ufa, que notícia maravilhosa! Pude então voltar a pensar no
casamento e curtir aquele momento que atingiu seu ápice, claro, na
entrada da noiva: linda!!! Teria sido um crime fazer aquela mulher
chorar naquele dia e eu já sabia, de alguma forma, que o Juca não ia
deixar aquilo acontecer.
Chegou a hora das alianças e eis que
entraram, lado a lado, daminhas, pajens e ... seguido de um longo
“Óóóóóoóóóóóóóo” de vozes sobretudo femininas, surgiu o Dr. Rodrigo
trazendo no colo um Juca mais calmo que de costume e com uma carinha
triste típica dos vira-latas conquistadores. Olhei bem para a noiva
nessa hora e vi o seu sorriso mais lindo até aquele dia. Aliás, o mais
lindo até hoje e que, tenho certeza, só vai ser superado para o que dará
quando vir nosso filho pela primeira vez. Juca foi trazido sob o olhar
de todos e parecia estar estranhando toda aquela gente o que o deixava
tímido, quieto, até que viu a noiva e começou a abanar o rabinho com
todas as forças que tinha. Ao chegar bem perto aproveitou a oportunidade
para dar uma lambidinha, um beijo na boca da noiva, antes que eu mesmo o
tivesse feito. O habilidoso fotógrafo capturou o momento exato. Juca
parecia querer me lembrar e mostrar à todos que conquistou o coração da
Carol antes de mim. Sem problema, somos amigos.
Passado um ano
deste dia tão cheio de emoções, Juca está aqui ao meu lado enquanto
escrevo. Deitado em sua amada caminha, velha e surrada. De vez em quando
ele se levanta, dá uma tossidinha, muda de lado e volta a dormir. Um
amigo daqueles com quem vivemos histórias para contar e relembrar para o
resto da vida".